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Publicado em: 24/08/2011 15:50 | Autor: Departamento de Comunicação / Alfredo Jorge / Rômulo Madureira

Murro em Ponta de Faca lota duas sessões no teatro de arena


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Um dos espetáculos mais esperados do EnCena, Murro em Ponta de Faca foi apresentado às 18h30 e às 20h30 de ontem pela Companhia Espaço Cênico, de Curitiba, no teatro de arena do CAT. A ditadura militar brasileira foi tema da peça, que retratou o cotidiano, as agruras e as angústias de exilados políticos na década de 70. As duas sessões ficaram lotadas.

Tamanha era a expectativa pelo espetáculo que na quinta-feira passada, as entradas já haviam se esgotado, fazendo a produção do EnCena solicitar à Companhia que fizesse mais uma apresentação. Mesmo com o alto grau de complexidade do tema, que exige dos atores comprometimento extremo e entrega máxima ao papel, o elenco aceitou o desafio e forneceu esta “cortesia de luxo” ao público jacarezinhense.

O resultado foi impressionante. Nas duas exibições, os atores puseram o teatro abaixo em apresentações viscerais sobre os anos de chumbo de nossa história. A Companhia de Teatro Espaço Cênico, de Curitiba, conseguiu impressionar quem esteve na arena do CAT nesta terça-feira.

A peça começa com as reminiscências da memória de cada exilado, enumerando os objetos que possuíam ou coisas que para eles eram essenciais, todas perdidas depois da expulsão do país e da perda dos direitos políticos. “Eu tinha um violão, mas não era como este de segunda mão. Eu tinha outros instrumentos”. “Eu tinha uma biblioteca”. “Eu tinha todos os tipos de pimenta”. “Eu não tinha muita coisa, mas tinha muito de cada coisa”. “Eu tinha um amigo. Mas o mataram”.

Os atos são transcorridos de forma a tornar cada vez mais angustiante o clima no teatro. Em exercício mentais quase gratuitos, os personagens do enredo criam coisas para se entreter. Perguntas como “e sem as pernas, o que eu não posso fazer?”, “e sem a língua? Sem a língua eu não posso beijar, não posso falar, mas não tem problema, eu não digo nada que preste mesmo”, “e sem as mãos?” ou “o que mais te angustia?” “eu fico mais angustiado quando bebo” “eu quando chego em um país que eu não sei a língua”.

Durante a peça, os personagens são obrigados a permanecerem em trânsito, viajando por conta das divergências políticas, longe de sua pátria. Passam por Chile, Argentina e França. Os seis tem origens distintas, proletariado, burguesia e intelectuais e convivem até mesmo com essas dificuldades dentro do grupo. A tensão é tão extrema que um deles acaba com a vida. É Maria, personagem que existiu na vida real e se matou na década de 70 nos trilhos do metrô. Augusto Boal a incluiu no espetáculo, agregando maior dramaticidade ainda à trama.


Confira o depoimento de Gabriel Gorosito, dado logo após a primeira apresentação

“É sempre uma experiência muito legal estar aqui. Jacarezinho é um público muito quente, ávido por informação. Aqui somos respeitados, bem acomodados, bem alimentados”, disse.

Sobre o fato de apresentar duas vezes um espetáculo de tamanha intensidade, disse. “Quando a Nena (produtora e diretora) me falou que teria que fazer duas vezes seguidas, pensei ‘peraí, como é que vai ser isso’ porque exige muito. Mas este espetáculo está muito na essência da gente. Não tem como fazer de outro jeito, sem emoção, não tem como fazer sem a total entrega”, falou.

Gorosito também comentou sobre o conteúdo da peça. “Isto aqui não é panfletário. Não estamos exigindo nada, só contando uma história das pessoas que viveram por isso. Não estamos levantando bandeiras. O espetáculo é legal porque conta como as pessoas viveram, o emocional delas, como elas estavam. Acho isto mais importante. Eu acho que temos que falar sobre a Ditadura, temos que saber o que aconteceu para que ninguém pense em fazer de novo, saber que teve gente que foi exilado, que sofreu, que se matou. A Maria, inclusive, é um personagem real, que se jogou no trilho do metrô, não agüentava mais”, concluiu o ator.

E também o do acadêmico de Filosofia Kauê Pedroso Gonçalves, de 25 anos, que elogiou a montagem.

“O espetáculo é maravilhoso, a concepção é feita por Augusto Boal e a direção do Paulo José, que foi o primeiro diretor do espetáculo lá no teatro arena de São Paulo. Esse grupo de Curitiba fez bonito, emocionou todo mundo, as pessoas saíram impressionadas. O assunto é delicado, mas foi mostrada de uma maneira sutil toda a dor que eles passaram. Assim, acaba dividindo essa dor um pouco com a gente e passamos a entender melhor o que passou neste período do regime militar”, falou.

De acordo com Gonçalves, o nível do EnCena vem subindo a cada ano. “Ter aberto mais uma apresentação foi sensacional porque quinta-feira passada os ingressos já haviam se esgotado e acaba dando oportunidade para que mais duzentas, trezentas pessoas vejam. Esses espetáculos acabam trazendo uma nova visão pro público daqui, pros grupos daqui e desenvolvendo algo novo em Jacarezinho”, disse.

Kauê participa de um grupo de teatro, que também estuda Augusto Boal, o autor da peça de ontem. O grupo funciona na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) todas as quartas-feiras, das 17h às 19h. “Trabalhamos a metodologia do Boal. São desenvolvidos todos os jogos que ele ensinou (Boal estuda Stanislavski, Bertold Bretch, mas que não atinge só as belas artes, como também a cultura popular) e isso é o principal de Boal porque ele fala que o teatro é algo de todos nós”, finalizou.

Ficha técnica Murro em Ponta de Faca:


Texto: Augusto Boal
Direção: Paulo José
Assistente de direção: Roberto Souza
Iluminação: Beto Bruel
Cenário: Ruy Almeida
Figurino: Rô Nascimento
Ass Figurino: Sabrina Magalhães
Direção Sonora: Daniel Belquer
Preparação vocal: Célio Rentroya e Babaya
Iluminador assistente: Danielle Regis
Produção Executiva / São Paulo: João Victor D’Alves
Produção Executiva / Curitiba: Caroll Teixeira
Administração: Larissa Crocetti
Idealização e diretora de produção: Nena Inoue
Elenco: Gabriel Gorosito, Laura Haddad, Sidy Correa, Erica Migon, Abílio Ramos, Nena Inoue