Não há necessidade de menção ao negócio jurídico em ação monitória baseada em cheque prescrito há mais de dois anos. Essa foi a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso de uma sociedade de ensino de São Paulo que teve o processo extinto em segunda instância por não ter comprovado a causa da dívida.
A sociedade ajuizou ação monitória contra um aluno por não ter conseguido compensar um cheque de R$ 1.094,75 emitido por ele. O juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Bauru (SP) julgou o pedido parcialmente procedente e autorizou a execução, por entender que o estudante, apesar de ter sido citado pessoalmente, deixou de pagar a dívida e também não opôs embargos. O juízo aplicou correção monetária a partir do ajuizamento da ação e juros a contar da citação.
A sociedade de ensino interpôs apelação quanto aos dois últimos pontos da sentença, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), de ofício, indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo. O TJSP entendeu que, transcorrido o prazo legal de dois anos, seria necessária a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão do cheque. No caso, a ação monitória foi ajuizada em 15 de maio de 2003 e o cheque havia sido emitido em 28 de agosto de 2000.
A autora entrou com recurso especial, sustentando que o TJSP, ao negar provimento à apelação, divergiu da Súmula nº 299 do STJ, a qual afirma que “é admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito”. De acordo com a instituição, as obrigações contraídas no cheque são autônomas e o réu não nega sua emissão, em razão da prestação de serviço educacional.
O relator do recurso especial, Ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo que, a contar da emissão, seu prazo de apresentação é de 30 dias (se da mesma praça) ou de 60 dias (se de praça diversa). Após esse período, o lapso prescricional para a execução é de seis meses.
O ministro observou que, em caso de prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei nº 7.357/85, conhecida como Lei do Cheque, prevê, no prazo de dois anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de enriquecimento ilícito – a qual, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado esse prazo, o artigo 62 da Lei do Cheque ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação fundada na relação causal.
Luis Felipe Salomão destacou ainda que a jurisprudência do STJ também admite o ajuizamento de ação monitória (Súmula nº 299), reconhecendo que o próprio cheque satisfaz a exigência da “prova escrita sem eficácia de título executivo” a que se refere o artigo 1.102-A do Código de Processo Civil.
Caso o portador do cheque opte pela ação monitória, acrescentou o relator, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, § 5º, inciso I, do Código Civil, e não haverá necessidade de descrição da causa da dívida.
Salomão ressaltou ainda que, nesses casos, “nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito”.
O ministro concluiu que não há necessidade de menção ao negócio jurídico que gerou a dívida e restabeleceu a sentença. Os demais ministros da Quarta Turma acompanharam o relator.