A terceira noite do VII EnCena trouxe para Jacarezinho um dos dez melhores espetáculos do país (de 2010 segundo o jornal O Globo). Savana Glacial, dirigida por Renato Carrera e ganhadora do prêmio Shell (RJ) ontem, quarta, fez jus à sua fama.
O Grupo Físico de Teatro (RJ) emplacou no palco italiano do CAT com uma apresentação irretocável. Os quatro atores exibiram atuação inspirada e precisa, desafiando a platéia o tempo todo a tentar entender o que se passava.
Mas o fato é que esta angústia da dúvida nem de longe distanciava o espectador do enredo de Savana. Pelo contrário, o atraía cada vez mais para procurar o fio da meada, detectar nas entrelinhas o que acontecia e logo depois pensar tudo ao contrário.
A peça conta a história de Meg, uma mulher que teria sofrido um acidente de carro, causador da perda constante de sua memória recente. Seu marido a mantém medicada e cria um artifício para ajudá-la, um caderninho de anotações em que ela anota tudo o que “precisa” realmente se lembrar.
A reviravolta começa quando uma vizinha do andar de cima começa a querer intervir na vida do casal. Agatha planta ideias e confunde Meg, argumentando que o marido a engana. Ao mesmo tempo, se aproxima do marido, incitando que ele devia interná-la.
Há ainda na peça um personagem misterioso, um motoqueiro que no final acaba sendo a chave da fuga de Meg, deixando em quem assiste o dilema: se esta saída significou a sua cura ou destruição.
Através de diálogos tensos e perspicazes, os personagens se digladiam em cena, evocando intercaladamente fúria, amor e mais dezenas de sentimentos juntos e separados. “O que eu tenho agora é a sombra da sombra as sombra em si que não reflete nada”.
Em um único momento de interatividade com a plateia, a atriz Camila Gama (Agatha) desce, senta-se ao lado de um espectador e diz: “Eu gosto desta parte do teatro porque a pessoa se pergunta assim. Este aqui na minha frente é o ator ou o personagem?”.
Destrinchando metáforas da própria peça, desdizendo o que tinham acabado de falar e construindo cenicamente memórias, relação sexual, briga e desespero, o espetáculo segue, expondo novos fatos dentro da trama e prendendo a atenção do público. Os atores acertam o tempo todo, do início ao fim.
O CAT estava mais uma vez lotado. Diretora Municipal de Turismo, Aline Sales disse que há muito tempo não “saía de um espetáculo com a sensação de incômodo”. A estudante de Direito Ana Beatriz de Aguiar Leite relatou uma angústia que perdurava até hoje. “Não haviam me avisado dos efeitos colaterais”, disse.
O EnCena é uma realização da Prefeitura Municipal de Jacarezinho, tendo a Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) como parceira. Apóiam o evento SESC, CAT e Núcleo de Estudos de Agroecologia e Territórios (NEAT). Amanhã é o último dia, tem O Capitão e a Sereia, da Companhia Clowns de Shakespeare, de Natal (RN).
Ficha técnica
Idealização: Camila Gama e Renato Livera
Texto: Jô Bilac
Direção: Renato Carrera
Preparação Corporal e Direção de Movimento: Lavínia Bizzotto
Trilha sonora original: Jamba
Iluminação: Renato Machado
Cenografia: Mariana Ribas
Figurino: Flávio Souza
Elenco: Andreza Bittencourt, Camila Gama, Diogo Cardos, Renato Liverar